Cláudia Feliz - cfeliz@redegazeta.com.br
Um outro fator agravante também deve ser considerado: o aumento da população mundial, que representa crescimento na demanda de consumo de água. Estima-se que o planeta deva ter 8 bilhões de habitantes em 2030, podendo chegar a 9 bilhões em 2050.
Especialistas garantem que a poluição e a contaminação da água são as principais causas de doenças em populações pobres não atendidas pelos sistemas de abastecimento de água potável e de coleta e tratamento de esgotos sanitários.
Para se ter uma ideia da gravidade da situação, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), essa é a causa de, por dia, morrerem no mundo 3.900 crianças. Uma tragédia!
No Brasil, os problemas concentram-se, principalmente, em áreas urbanas nas grandes cidades, num país onde são coletados apenas 49,1% do esgoto produzido e somente 32,5% são tratados. Não são poucos os pontos de despejo em córregos e rios, contaminando mananciais.
E também por tudo isso, não é difícil entender a razão pela qual em países desenvolvidos como a França, há mais de 40 anos vigora uma lei que estabelece a cobrança pelo uso da água captada nos rios, e um maior rigor no controle sobre os efluentes (carga orgânica) neles despejados.
Inspirada nesse modelo, e visando a evitar a escassez de água, essa cobrança está em funcionamento no Brasil desde 2003. Começou na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, que envolve Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, e já está autorizada também no Rio Doce, que atravessa municípios do Espírito Santo e de Minas Gerais.
Cadastro
Em terras capixabas, está sendo feito o cadastramento, a retificação e a ratificação de dados dos usuários dos afluentes do Rio Doce: Guandu, São José, Bananal, Pancas, Santa Maria do Doce e Santa Joana. O processo, iniciado no dia 1º deste mês, vai até dezembro deste ano, e inclui, ainda, usuários da Região Hidrográfica de Barra Seca. Na calha do Rio Doce, o cadastro será realizado até final deste mês.
Ainda em relação aos rios de domínio da União - aqueles que cortam mais de um Estado - a cobrança por uso vigora também na bacia do rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (MG e SP), desde 2006. E é aplicada em 16 bacias de três Estados: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. Em nível nacional, a cobrança resultou, em 2010, na arrecadação de R$ 105,8 milhões.
Pagamento
O comitê do Rio Doce definiu que os usuários vão pagar R$ 0,2 por m3 (mil litros) de água captada, neste primeiro ano, mas que o valor chegará a R$ 0,3 em 2015. Agricultores que utilizem irrigação pagarão o mesmo preço, mas por cada 40 mil litros captados.
A cobrança por uso dos rios capixabas depende ainda de aprovação de alterações na Política Estadual de Recursos Hídricos (Lei 5818, de 1998), cujo projeto a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Seama) promete enviar, "em breve", à Assembleia Legislativa. Os comitês dos rios Guandu, São José e Rio Doce e Santa Maria do Doce definiram o valor de R$ 0,2 por captação de mil litros de água.
Já pelo lançamento de carga orgânica, o valor por quilo será de R$ 0,11 e R$ 0,10 (caso do Santa Maria do Doce), atingindo R$ 0,16 em 2015, mas os preços ainda precisam ser homologados pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos.
Segundo a gerente de Recursos Hídricos do Instituo Estadual do Meio Ambiente (Iema), Andressa Bachetti, a cobrança será feita com base no consumo declarado pelo usuário, e estão sujeitos a ela todos os outorgáveis (a outorga é a autorização de uso, emitida pelo instituto, com base na avaliação da capacidade do rio e do pedido apresentado para seu uso de forma racional).
No caso da calha do Rio Doce, a cobrança dos usuários, segundo a Agência Nacional da Água (ANA), deve ser aplicada com data retroativa a outubro deste ano, embora os carnês só vão começar a ser distribuídos em 2012. É que o processo requer, além do cadastramento dos usuários, a assinatura do contrato de gestão entre a ANA e a entidade delegatária, no caso, o Instituto BioAtlântica, que atuará como órgão regulador.
Aplicação
A previsão é de que em dez anos sejam arrecadados na Bacia Hidrográfica do Rio Doce, que possui 83.500 km2 e abrange 229 municípios, totalizando 10 bacias - sete delas mineiras - um total de R$ 1,34 bilhão. Somente no primeiro ano, na calha federal, a estimativa é de se arrecadar R$ 18 milhões, chegando a cerca de R$ 31 milhões no quarto ano.
Os recursos arrecadados, que serão geridos pela BioAtlântica, vão ser aplicados na preservação e na recuperação das bacias dos rios. Numa primeira fase, prioritariamente na contratação de projetos para execução de obras de saneamento.
foto: Editoria de Artes
A Companhia de Abastecimento do Espírito Santo (Cesan) diz que está acompanhando as discussões em torno da cobrança do uso da água, e que participa de todos os comitês das 11 grandes bacias do Espírito Santo, mas não sabe qual será o reflexo na tarifa no bolso dos consumidores. Já o Instituto Estadual de Meio Ambiente (Iema) diz que concedeu até abril deste ano 4.095 outorgas (autorizações) para usuários capixabas.
No Estado, as regiões com menor disponibilidade de água são a Norte e a Noroeste, onde, segundo o Iema, está o maior número de usuários.
Para evitar conflito, órgãos do governo do Estado, ligados às secretarias de Meio Ambiente e Agricultura, além das prefeituras e do Ministério Público, organizam o uso da água por meio de gestão compartilhada.
Em 14 áreas do Espírito Santo é feita a outorga coletiva, que prevê, até mesmo, escalonamento de horários para captação de água pelos usuários do sistema.
Para a gerente de Recursos Hídricos do Iema, Andressa Bachetti, a cobrança será uma forma de se promover o uso racional da água em todo o país. "Com ela, as pessoas passarão a se policiar na utilização desse recurso, que precisa ser preservado", argumenta.
Lentidão na cobrança por recursos hídricos é criticada por comitê
Presidente do Comitê da Bacia do Rio Santa Maria da Vitória, que juntamente com o Jucu abastece toda a Grande Vitória, Beto Pego, critica o que define como lentidão do governo no que se refere às ações para viabilização da cobrança pelo uso da água no Espírito Santo.
Ele lembra que a lei estadual prevendo a cobrança foi aprovada em 1998. E garante que uma arrrecadação média calculada pelo próprio Instituto Estadual do Meio Ambiente (Iema) prevê que só para o Santa Maria da Vitória, que fornece água para grandes empresas, como a ArcelorMittal, Vale e Cesan, a arrecadação anual seria de R$ 2 milhões.
"Deixamos de aplicar todo esse dinheiro, ao longo dos últimos 13 anos, em projetos para preservação e recuperação do rio", diz Pego, cobrando do governo a criação de uma agência ou estrutura semelhante, que possa viabilizar a cobrança pelo uso da água nos comitês de bacias do Estado. "O governo planeja viaduto, ponte, mas se esquece da água. Isso é surreal", critica Pego.
Presidente do Instituto Estadual do Meio Ambiente, Aladim Fernando Cerqueira, garante: "O Espírito Santo não foi irresponsável". Ele alega que o país inteiro "está aprendendo nessa área", e que a deflagração do processo na Bacia do Rio Doce abrirá as portas para os demais comitês de bacias do Estado avançarem nessa questão.
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